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Vivendo em condomínio - caso 12 - condomínio clube e liberação de área comum para realização de DAY USE

Direito Condominial e Sindicatura - Amanda Accioli

Advogada pós-graduada em Direito Empresarial (Mackenzie) e em Direito Público (Federal Concursos). Possui formação complementar na área condominial, como de Administração Condominial e Síndico Profissional, de Direito Condominial e de Direito Imobiliário, todos pela Escola Paulista de Direito (EPD), entre outros. Tem experiência como advogada condominial nas áreas consultiva e contenciosa, atuando hoje como síndica profissional e como prestadora de serviços na área consultiva condominial para grandes escritórios jurídicos.


20/05/2021

Vivendo em condomínio - caso 12 - condomínio clube e liberação de área comum para realização de DAY USE

Vivendo em condomínio - caso 12 - condomínio clube e liberação de área comum para realização de DAY USE

Olá meus queridos leitores! Chegamos a mais um “causo” verídico dos meus atendimentos às consultas condominiais dos nossos clientes.

 

Primeiramente gostaria de dizer à vocês que, no meio jurídico, dentro do Direito, quase nunca temos uma linha de pensamento ou raciocínio rígidos, e que por isso nós advogados dizemos com tanta frequência que dentro do Direito “tudo depende”. Mas como assim Dra Amanda?

 

O Direito nunca foi e nunca será uma ciência lógica, tudo dependerá de profundos estudos, argumentações e interpretações, para o sim ou para o não, e aqui a minha intenção é apenas contar para vocês casos reais vividos no jurídico consultivo, contando como foi a minha interpretação jurídica para aquele caso real, para aquele condomínio, diante do meus estudos das das leis, muitas vezes da jurisprudência e diante dos regramentos internos específicos daquele prédio no caso concreto, como a convenção condominial e o regimento interno, que são únicos e exclusivos para cada condomínio e que devem sempre obedecer as leis vigentes no nosso País.

 

Talvez e é bem provável que estes casos tenham outras interpretações, mas aqui demonstro como resolvi a questão interpretando a Lei, a convenção e o regimento daquele condomínio e sobretudo, em defesa do meu cliente. Mas acima da defesa dos interesses do meu cliente, vem o intuito de cumprir as leis (então mesmo que o meu entendimento jurídico mediante o estudo das leis não vá de encontro ao “querer” do corpo diretivo, preciso alertá-los sobre todas as implicações, todos os prós e os contras), e este foi tipicamente um destes casos.

 

Em segundo lugar, antes de começar a relatar sobre o “causo” ocorrido, gostaria de explicar simplesmente o que é “Day Use”.

 

Um dos conceitos extraídos na internet explica que: “Day Use” é: “uma modalidade de hospedagem por apenas um dia, sem pernoite. Neste dia o hospede pode usufruir de toda a estrutura do hotel como piscinas, restaurantes, sala de jogos, serviço de praia, etc.”

 

Repararam na explicação? O que mais te chama a atenção nele? Posso citar os seguintes termos e palavras: “modalidade de hospedagem”, “hóspede”, “estrutura de hotel”.

 

Eis mais uma explicação obtida na internet sobre o significado de “day use”:

 

“Day Use é a utilização e aproveitamento dos serviços, opções e recursos de um hotel durante um dia. Você pode aproveitar toda a estrutura de um resort ou hotel por um preço abaixo da diária, já que não irá dormir no local.”

 

Novamente as palavras que chamam a atenção são: “utilização de serviços”, “estrutura de um hotel ou resort”, “não irá dormir no local”.

 

Portanto, seriam estes conceitos aplicáveis para o condomínio tipicamente residencial?

 

Nosso escritório por ter sua matriz no litoral sul paulista, por vezes, atende condomínios com uma infra estrutura “tão gigante” que, adentrando neles, parecem mesmo um grande resort ou hotel. Possuem as mais variadas piscinas (abertas, fechadas, aquecidas, tobogãs, etc), quadras esportivas, salão de jogos, salões para festas, churrasqueiras, comércios como restaurantes, salão de cabeleireiros, barbeiros, bancos, academias de ginástica de nome no mercado, entre outros. Estes são chamados pelo mercado condominial de “condomínios-clubes”, e com eles aparecem várias dúvidas tanto dos moradores, como dos seus gestores administrativos e até mesmo dos que possuem a concessão de alguns destes comércios lá dentro.

 

No caso deste condomínio de hoje, através de contrato de cessão temporária de uso de espaço físico para funcionamento de bares e restaurantes (lembrando que o cessionário é o condomínio) e visando majorar os seus rendimentos, o condomínio questionou através do seu corpo diretivo, sobre a possibilidade e a legalidade na liberação da área comum deste, podendo assim ser também usufruída por estranhos na modalidade “day use” (frequentadores estranhos aos moradores, condôminos daquele prédio). Era evidente o interesse do corpo diretivo daquele condomínio em aumentar os rendimentos daquele condomínio, mas seria possível desta forma? Seria possível instituir o “day use” dentro daqueles condomínios?

 

Em primeiro lugar preciso lembrar que o condomínio é regido através de Convenção Condominial, as quais ficam submetidos os condôminos, bem como todos os seus ocupantes, e no caso, a destinação do referido empreendimento nos termos daquela Convenção, dizia claramente que o condomínio era composto por unidades de uso estritamente turístico-residencial.

 

Turístico-residencial? Mas o que seria isso?

 

“...a segunda residência turística litorânea, considerando que esse fenômeno, mesmo que relevante no âmbito da atividade turística, tanto em nível internacional, como nacional, não é contemplado por nenhuma política pública de turismo no Brasil. Entende-se que, na sociedade moderna, este espaço privado de lazer e de fruição tornou-se difundido como uma condição do status, particularmente, desde o século XIX. Desde então, ocorreu um processo de massificação, e mais recentemente, tais fluxos se associaram com aqueles que são relativos às novas formas de mobilidade contemporâneas. Compreende-se a segunda residência como uma tipologia não hoteleira de hospedagem turística, na qual existe um vínculo permanente, pelo retorno sucessivo ao mesmo destino, mas cuja permanência não excede ao período de um ano. Aspecto particular é que, nela, as atividades de construção civil, bem como a de locação de imóveis tornam-se parte dessa modalidade turística” (grifos nossos) (Karayiannis, Iakoviou & Tsartas, 2013; Vágner, Fiolová, 2011).

 

Digamos ser a conhecida por nós “casa de praia” ou “apartamento de praia”, ou “de fim de semana”, muito comuns desde a década de 70 em São Paulo e litoral sul paulista (hoje já abarcam outros estados brasileiros) e que na verdade, hoje encontramos muitos moradores fixos, ou seja, que não se limitam apenas às férias ou aos fim de semana e feriados.

 

Podemos então afirmar que este tipo de residencial não é considerado hospedagem e assim, não regulado pelas normas que abrangem hotéis e similares. Voltando ao “day use”, este entende-se como uma modalidade de hospedagem por apenas um dia, sem pernoite, a qual o hospede pode usufruir de toda a estrutura do hotel como piscinas, restaurantes, sala de jogos, serviço de praia, etc.

 

Portanto liberar as áreas comuns daquele condomínio para este tipo de uso, claramente se desvirtuava da função do condomínio, e isso precisava estar esclarecido ao corpo diretivo.

 

A própria Convenção Condominial dizia o seguinte:

 

CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA – DA LIMITAÇÃO DO PÚBLICO A SER ATENDIDO:

 

Ficam Estabelecidas as limitações do público a ser atendido pela Cessionária:

  1. Bar da piscina e Praia: exclusivo para os condôminos, inquilinos, familiares e convidados;
  2. Restaurante Térreo: público em geral (almoço e jantar)

 

Paragrafo Primeiro: Para fins deste instrumento, entendem-se como “familiares” e “convidados” todos aqueles que estiverem com entrada assim credenciadas pelo Condomínio para circulação nas dependências da edificação, na forma do regimento Interno.”

 

Vale salientar ainda que, tanto a Convenção quanto o Regimento Interno eram claros no que concerne ao uso e fruição das partes comuns e áreas de lazer.

 

Ainda tínhamos neste caso o reforço do próprio Regimento Interno que assim prescrevia:

 

Artigo 17 – As unidades autônomas do Condomínio destinam-se a exploração residencial, ficando proibida a instalação em qualquer dependência das mesmas de quaisquer tipos de atividades comerciais e/ou de prestação de serviço, que produzam incômodos ou importem em majoração das despesas do condomínio.

 

Neste sentido a previsão do artigo 1.314, parágrafo único e ainda o artigo 1.336 IV ambos do Código Civil, é muito clara:

Artigo 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único: Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem consenso dos outros.

 

( ... )

 

Artigo 1.336. São deveres do condômino:

 

( ... )

 

IV – dar as suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores e os bons costumes.

 

Assim, ficava claramente entendido que tornar “livre” o uso das áreas comuns feriria os dispositivos das leis internas daquele condomínio, colocando em risco a segurança do empreendimento e de todos os condôminos, bem como sobrecarregaria os prestadores de serviços já que aumentaria a circulação de terceiros que não seriam os condôminos e sim de terceiros alheios àquele condomínio, nas dependências daquele empreendimento condominial.

 

Em resumo, sobre o questionamento levantado pelo corpo diretivo mesmo ele tendo claro interesse em aumentar os rendimentos do condomínio, a aplicação da modalidade “day use”, desvirtuaria da destinação original do Condomínio que é estritamente residencial, e o “day use” trata-se de particularidade pertencente ao ramo hoteleiro.

 

Ah Dra Amanda, mas seu cliente não ficou insatisfeito com esta resposta? Respondo que, pode até ser que eu tenha lhe causado certa decepção com a resposta já que não mencionei artifícios que poderíamos nos pautar para tentar implementar o “day use” naquele empreendimento, mas o meu papel aqui não é o que criar artifícios para fazer realizar uma vontade do corpo diretivo e sim, interpretar as leis e os regramentos e apontar o caminho correto, que traga segurança jurídica para a gestão e para toda a massa condominial. Sempre!

 

E você, faz a gestão de algum condomínio clube? Como ela é: conflituosa, harmoniosa? Já passou para alguma consulta com o mesmo tópico de dúvida? Me conte aqui embaixo nos comentários.

 

Um forte abraço para todos e até o próximo “causo”

 

Amanda Accioli

Advogada Condominial da @zdl.advogados

Síndica Profissional na @acciolicondominial

Whatsapp: 11-988915864


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