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Os três “S” e a vida em condomínios

Direito Condominial - Suse Paula Duarte Cruz Kleiber

advogada especialista em direito condominial e tem vasta experiência no segmento. Atua na área há mais de 20 anos. Além disso, é consultora jurídica, palestrante, membro efetivo da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP, subseção Santana e de Direito Imobiliário e Urbanístico de Osasco/SP e Jundiaí/SP. Autora do livro


19/04/2021

Os três “S” e a vida em condomínios

Os três “S” e a vida em condomínios

Muito se fala sobre a preservação dos três “Ss” dentro da comunidade condominial. Eles referem-se à saúde, segurança e ao sossego. É conveniente incluir os bons costumes nessa lista que deve ter especial atenção dos condôminos e daqueles que ele permitir que adentrem ao condomínio como visitantes, funcionários e prestadores de serviços, até porque o seu cumprimento também é um dever legal.

 

Também se fala dos três “Cs” criança, cachorro e cano, como os causadores dos dilemas condominiais. Eles acabam por escoar nos três “Ss”

 

Todos sabemos o quanto residir em sociedade exige o cumprimento de regras que vigem há anos. Logicamente, alguns costumes foram mudando de acordo com a evolução. Tanto quanto às vestimentas, penteados como pela forma de agir. Há poucos anos mulheres não votavam, não podiam usar calças compridas etc. Homens usavam barba/bigode e havia os negócios feitos “pelo fio do bigode”, ocasiões em que a palavra apenas bastava.

 

Vivemos uma outra realidade em que o medo e a insegurança aumentam à mesma proporção que as novidades tecnológicas e cada vez mais percebemos que não nos preocupamos com os nossos vizinhos, o que faz com que os síndicos se preocupem cada vez mais com a saúde, segurança, sossego e prevalência dos bons costumes nos empreendimentos. 

 

Brevemente conceituarei cada um deles:

 

Saúde: Todos temos o direito de viver num ambiente salubre, livre de qualquer elemento que possa colocar em risco nossa integridade física ou mental. Por isso, a higiene das unidades autônomas e das áreas comuns, o impedimento de guarda de produtos tóxicos, explosivos etc., são práticas que devem ser observadas.

 

Barulho incessante, além do sossego, também afeta a saúde e por isso deve ser evitado.

 

Tive ao longo desses 25 anos de advocacia alguns casos interessantes de condôminos multados pela pratica de excesso de barulho durante o dia e que decidiram discutir a validade da multa judicialmente.

 

Sim, o condômino passava as tardes com o volume do som altíssimo. Ninguém conseguia estudar, bebês e idosos não descansavam. O argumento do condômino repousava apenas no fato de que o barulho ocorria durante o horário comercial. Ou seja, na visão egoísta daquele cidadão das 08h às 18h ele poderia ouvir música num volume altíssimo só porque estava no horário comercial. Logicamente, ele perdeu a ação e teve que pagar a multa.

 

Animais em unidades autônomas requerem o dobro de atenção com a higiene, visando a preservar a saúde de todos, inclusive do próprio pet.

 

O sossego não se refere ao silêncio absoluto e o tempo todo. Mas respeitar o horário estabelecido na sua cidade e após o horário, é questão de bom senso, que deve prevalecer. Chegou em casa mais tarde de salto alto? Descalce para não incomodar seu vizinho de baixo enquanto entra na sua unidade.

 

Tive um outro caso em que uma condômina idosa e que residia só passou a sofrer transtornos e lavava  (sim, jogava baldes d´água) o seu apartamento inteiro quase todas as madrugadas. Além do consumo astronômico de água, o barulho passou a incomodar os vizinhos. Por sorte, neste caso o diálogo com familiares resultou no fim da situação.

 

Animais que passam muito tempo sozinhos e “choram” e uivam, ainda que durante o dia, afetam o sossego dos demais condôminos e é causa de reconhecimento de maus tratos aos animais.

 

A segurança engloba muitos conceitos, e no fundo os três se complementam, pois a segurança equivale a manter o local seguro quanto à saúde, quanto à integridade física e mental, quanto à utilização das áreas comuns etc.

 

Bons costumes dizem respeito àquilo que é aceito pela sociedade e seus valores como ético, moral, adequado.

 

Todos temos que transitar vestidos. Portanto, aquele que o faz desnudo fere os bons costumes aceitáveis pela sociedade. O mesmo se dá com o consumo de drogas, álcool, atitudes violentas ou obscenas também são condutas que ferem os bons costumes.

 

Aquele que frequentemente descumpre essas regras de convivência com práticas que coloquem em risco a saúde, segurança, sossego e bons costumes fere os artigos 1.277 e 1.336, IV do Código Civil e poderá ser avertido e multado.

 

Nestes tempos de pandemia, sabemos que os conflitos aumentaram muito nos condomínios, mormente no que se refere ao sossego e nunca tanto a tolerância foi exigida à exaustão. Os síndicos estão sendo mais cobrados, mormente para gerir situações de intolerância entre vizinhos.

 

Todos estamos sendo afetados. Enquanto o vizinho precisa trabalhar em home office, o outro condômino além de também ter que trabalhar ainda tem que administrar crianças que estão presas, sem escola, sem recreação, sem amigos. Está difícil para todos e por isso os conceitos antes analisados devem ser cumpridos, mas também revistos, afinal, não podemos exigir o silencio de um prédio praticamente vazio durante o dia antes da pandemia com o que temos atualmente: adultos, crianças e pets confinados.

 

Antes de exigirmos apenas nossos direitos é de suma importante lembrarmos dos nossos deveres e de nos colocarmos no lugar do outro, visando amenizar os efeitos do presente momento e não permitir que o descumprimento dos três “s” passe a ser uma constante.

 

Concluo esse artigo com a seguinte lição de Rui Barbosa[1], o maior e melhor jurista que nosso país já teve e homem capaz de avaliar e valorar o seu próximo: “Nas crises de transformação social ou politica a corrente dominante propende sempre, pela natureza das coisas, a exceder o limite da razão, e exerce sobre os espíritos uma ascendência intolerante, exclusivista, radical”.

 


[1] BARBOSA, Rui. Obras Completas. Vol. XVII, Tomo I. Rio de janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. 148.


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