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03/04/2020

Direitos e deveres no enfrentamento ao Coronavirus nos condomínios e loteamentos fechados

Direitos e deveres no enfrentamento ao Coronavirus nos condomínios e loteamentos fechados

Em meio ao cenário de incertezas e com as várias medidas impostas durante a emergência de saúde no enfrentamento do coronavírus, muitos hábitos foram afetados no cotidiano. Vivemos sob isolamentos sociais e quarentenas para proteger as pessoas e evitar a sobrecarga do sistema de saúde brasileiro, e dentro dos condomínios acabam surgindo dúvidas de como devem agir para garantir, internamente, a contenção de casos.

 

Para esta matéria, a reportagem solicitou a dois especialistas da área condominial, a síndica profissional Patrícia Nuñez e o advogado Fernando Antonio Ferreira de Alvarenga, que apresentassem seus posicionamentos e entendimentos, dentro de sua área de atuação, sobre alguns dos temas que vêm sendo frequentemente debatidos nos condomínios e loteamentos fechados.

 

É correta a restrição de uso das áreas comuns?

 

Patrícia Nuñez: Como síndica, percebo que há muita dificuldade em tratar destas situações novas que surgem. Temos que manter todo o funcionamento do condomínio ou da associação e ainda produzir as informações e os esclarecimentos necessários aos condôminos e moradores sobre os novos procedimentos que vão sendo adaptados para atender a legislação e o bem-estar de todos.

 

Esta declaração de quarentena do governo é muito séria e os síndicos e administradores precisam contribuir para a organização da vida social, nem que seja apenas dentro da área em que administramos. É preciso compreender que as medidas emergenciais visam proteger os moradores, pois estamos apenas no início da contaminação dentro do Brasil.

 

Ao restringir o uso das áreas comuns, nós síndicos buscamos tentar auxiliar na prevenção da doença, pois mesmo com reforço na limpeza das áreas, é muito difícil manter os locais sempre limpos e a todo momento.

 

Ao decidir pela restrição de uso de áreas comuns ou de lazer, por exemplo, tomamos o cuidado de entrar em contato com cada um dos moradores que haviam reservado o local ou que costumavam utilizá-la, explicando os motivos de saúde envolvidos e a preocupação da gestão com o combate à transmissão do vírus. Apesar de algumas diferenças de opinião, temos tido sucesso na adoção das medidas pela grande maioria, pois todos se sentem respeitados quando integrados ao ambiente em que moram.

 

Dr. Fernando Alvarenga: O síndico, no exercício da administração condominial, possui tanto atribuições previstas na legislação federal como na convenção do condomínio. Muitas delas são expressas (prestar contas, por exemplo), mas outras são menos precisas (como a prática dos atos necessários à defesa dos interesses comuns), demandando prudência no planejamento e adequação dos meios aos fins na execução.

 

Em uma situação de normalidade, seria inadmissível a proibição de uso das áreas comuns, mesmo para o inadimplente, porém, na atual conjuntura, em meio a uma emergência de saúde pública de importância internacional e nacional, é imprescindível que sejam adotadas as medidas necessárias para minimizar aglomerações e melhorar a prevenção à COVID-19.

 

No âmbito local, foi declarada situação de emergência em São José dos Campos, estando vigentes medidas de enfrentamento à pandemia. Assim, é conveniente seguir as recomendações do Poder Executivo Municipal, pois, em tese, cabe até mesmo a responsabilização de condomínios e condôminos por atos que violem as medidas de enfrentamento.

 

O governo estadual, por sua vez, decretou quarentena entre os dias 24 de março a 7 de abril de 2020, fixando, entre outras medidas, que só é recomendável a circulação de pessoas para atender necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercícios de atividades essenciais. Vale lembrar que o descumprimento de medidas de quarentena, editadas em respeito à legislação federal, pode acarretar a responsabilização civil, administrativa e penal, a exemplo dos crimes de infração de medida sanitária preventiva e de desobediência.

 

Diante deste cenário, mostra-se razoável que o síndico, cumprindo seus deveres legais e convencionais (principalmente em convenções que trazem a possibilidade de serem disciplinadas as situações omissas), também adote medidas temporárias de enfrentamento durante a vigência da quarentena ou da situação de emergência, tornando, portanto, a suspensão de uso da área comum em regra e a sua liberação em exceção, quando demonstrada a essencialidade pelo interessado.

 

Prestadores de serviços podem ser impedidos de entrar?

 

Patrícia Nuñez: A situação aqui é muito parecida com o fechamento das áreas comuns. Nenhum síndico gosta de proibir algo no condomínio, muito menos quando os moradores dependem dos serviços. Temos que ter bom senso em qualquer proibição e precisamos transmitir as dificuldades por trás das escolhas aos moradores, para que entendam que são sacrifícios coletivos e necessários para superar o mais rápido possível esta situação.

 

Vale a pena se manter informado sobre as leis mais recentes que estão sendo discutidas diariamente e de preferência consultar os profissionais especializados que atendem o condomínio. Para serviços necessários e obras urgentes, o síndico precisar ter a sensibilidade de se colocar no lugar do morador que precisa de atendimento. Do mesmo jeito que o síndico precisa fundamentar as decisões, podemos conversar com o morador para saber se há urgência ou não.

 

Se realmente for abrir uma exceção ao morador, o síndico precisa documentar e anotar o motivo de forma clara, porque isso evita que outros moradores pensem que estamos beneficiando alguém em prejuízo dos outros. Nos condomínios que atendo, costumo pedir uma declaração do morador explicando a necessidade da obra ou serviço, compartilhando então as responsabilidades.

 

Sobre as obras, os moradores precisam ter consciência de que hoje em dia muitas pessoas estão trabalhando em casa, em home office, e toda obra acaba fazendo muito barulho. Se antes as obras eram feitas nos horários que os moradores estavam fora trabalhando, hoje estão todos em casa e precisamos criar empatia com os outros. É uma situação que ninguém escolheu passar, então todo cuidado para melhorar a convivência é bem-vindo.

 

Dr. Fernando Alvarenga: O impedimento de acesso de prestadores de serviços no condomínio também se insere nas medidas adotadas por muitos síndicos a fim de auxiliar na prevenção da pandemia da COVID-19. O embasamento para sua adoção deve seguir os mesmos parâmetros da restrição de uso das áreas comuns, porém, é importante que o administrador observe ainda cuidados específicos que passam a ser exigidos pelas normas contemporâneas nas relações de trabalho.

 

Em que pese os esforços para proteger o direito à saúde (reconhecido como um direito humano e social), outros direitos fundamentais, como a vida digna, também necessitam de proteção. Quando dois direitos de igual relevância encontram-se confrontados, uma das formas de solução possível para este embate é a ponderação (aqui usada em sentido técnico). Exigir do síndico uma análise técnica sempre acertada seria algo inexequível, porém, pode ele dispor de meios para facilitar tais escolhas, uma vez que as atividades e serviços reconhecidos como essenciais já foram objeto de regulamentação federal e devem servir de apoio na tomada de decisões.

 

As atribuições de um síndico não devem ser confundidas com as de autoridade pública, como as de um delegado de polícia, prefeito ou juiz, logo, parece prudente que, quando questionado sobre a autorização de determinado serviço dentro do condomínio, o síndico solicite que o morador indique o motivo da essencialidade, permitindo que seja apurada dentro das atividades autorizadas.

 

Em qualquer caso, se autorizado o serviço, devem ser adotadas as cautelas para redução da transmissibilidade da COVID-19. Além das medidas sanitárias, já há diversas recomendações para a execução de trabalhos durante a pandemia, sendo algumas específicas para certas atividades, como o trabalho doméstico e o de trabalhadores de empresas prestadoras de serviços de limpeza ou de cuidado, e outras como orientações a empregados e empregadores de modo geral. Neste sentido, é válido que o síndico possa solicitar que o serviço somente seja prestado se estiver de acordo com práticas de boa higiene e conduta.

 

E os serviços de delivery?  Como ficam nesse cenário?

 

Patrícia Nuñez: A maioria dos condomínios já tem políticas e regras próprias sobre a retirada de encomendas ou entrega de comida, então, se o síndico perceber que vai ser preciso mudar este tipo de retirada, deve pensar com cuidado e preparar um comunicado específico sobre isso ou criar uma enquete para ouvir as pessoas. Na maior parte dos casos, os moradores já estão acostumados com o delivery e não ocorrem aglomerações, mas se houver um aumento grande das entregas e isso criar tumulto, o síndico precisa agir.

 

Condomínios diferentes, com quantidades de moradores a mais ou a menos e com diferentes realidades familiares, não vão reagir da mesma forma com uma mudança nesse tipo de regra. Imagine um condomínio que conte com várias torres. Pode ser que a liberação de entregadores nas unidades aumente demais o número de pessoas andando nas mesmas áreas em um mesmo horário. Agora imagine um condomínio de casas térreas, às vezes bem afastadas da portaria. Proibir aqui a entrada de entregadores pode causar aumento de pessoas e veículos na portaria, criando tumultos, aglomerações e até arriscando piorar a prevenção contra o coronavírus.

 

Dr. Fernando Alvarenga: Assim como nos tópicos anteriores, a medida é justificada com base na emergência de saúde pública reconhecida pelos governos nacional, estadual e municipal, o que permite ao síndico regulamentar a forma pela qual os serviços de delivery (que têm sido incentivados pelas autoridades públicas neste período) irão operar dentro do condomínio. Vale destacar que algumas convenções e regimentos já preveem a necessidade de deslocamento dos moradores até a portaria para receber encomendas ou entregas diversas.

 

Qualquer que seja a situação, é importante que o síndico se atente às finalidades das medidas adotadas, ou seja, é importante avaliar, na prática, se as restrições impostas poderão realmente ajudar na prevenção de contágio. É muito importante sempre estar atento à extensão de seus poderes como síndico, pois as normas não servem apenas para prever obrigações, mas também para criar limites à sua atuação.

 

Em tempos de incertezas e inseguranças jurídicas, não há demérito algum – muito pelo contrário – em adotar medidas e revê-las quando necessário. O interesse e benefício do condomínio deve ser atendido e as restrições precisam passar uma análise de eficácia na contenção da epidemia, sob pena de somente criarem desconfortos ou até mesmo agravarem a probabilidade de contágio. Qualquer que seja a medida adotada, ela deve ter como finalidade precípua o combate à COVID-19, caso contrário pode ser considerada ilegítima e piorar a convivência no dia-a-dia.

 

Os condôminos podem solicitar isenção ou desconto na taxa de condomínio?

 

Patrícia Nuñez: As pessoas precisam entender que a taxa de condomínio nada mais é do que um rateio de todas as despesas existentes, então qualquer desconto que não esteja devidamente previsto na convenção irá apenas aumentar o custo para os demais. Grande parte dos serviços condominiais continua ativa, seja presencial (controle de acesso, zeladoria e limpeza) ou em home office (como as atividades administrativas). Todas são atividades essenciais à garantia da segurança, salubridade e funcionamento do condomínio.

 

É claro que não podemos fechar os olhos para os problemas financeiros que os moradores podem estar enfrentando, mas a solução não vai ser encontrada com isenção ou desconto na taxa de condomínio. Empresas e empresários têm lucro, mas o condomínio não. Toda vez que não há arrecadação, os serviços podem ficar comprometidos, e isso não irá ser vantajoso para ninguém.

 

Agora também é o momento do síndico analisar as contas e verificar as reduções possíveis, nem que sejam só por algum tempo, prorrogando prazos. As obras e melhorias que não sejam necessárias podem ser suspensas e cabe ao síndico entrar em contato com a empresa para renegociar estas pausas nos serviços. É o momento de olhar para o condomínio, analisar as reduções possíveis e até tentar refazer o planejamento orçamentário, adequar despesas e receitas.

 

Mais do que nunca, o síndico precisa fazer uma administração transparente e aberta nas finanças, para que as pessoas vejam o custo que existe por trás da vida condominial. Entender estes custos torna as pessoas mais conscientes e até mesmo auxilia nas negociações com os inadimplentes, porque passam a entender o que o síndico pode ou não fazer sem violar as leis que deve obedecer e sem comprometer os demais moradores.

 

Dr. Fernando Alvarenga: De acordo com a legislação civil, é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio e compete ao síndico cobrar dos condôminos as suas contribuições. Neste sentido, por força de lei, não pode cessar esta arrecadação a fim de se fazer frente aos gastos suportados pela coletividade para a manutenção dos serviços de conservação e guarda das partes comuns e ainda dos demais que interessem a todos indistintamente.

 

A proporcionalidade da quota de cada um (ou seja, se terá como base a fração ideal ou um parâmetro diverso) e o modo de pagamento destas contribuições deverão constar na convenção do condomínio. Isto implica em dizer que não há discricionariedade do síndico para fixar novos parâmetros, exceto se a assembleia, obedecido o quórum legal, deliberar pela alteração das regras da convenção.

 

Desta forma, a sugestão é de que ocorra um diálogo entre o condomínio e os inadimplentes, a fim de regularizar a situação financeira em aberto da melhor forma possível e dentro das possibilidades permitidas ao síndico, como o parcelamento do débito. A situação de inadimplência, além de sujeitar o devedor à restrição de deliberação em assembleias, ainda autoriza a propositura de ação judicial para perseguir o crédito, podendo chegar até mesmo à penhora da unidade para quitação.

 

Tendo em vista a ausência de previsão legal para a suspensão dos débitos condominiais, é salutar que os síndicos mantenham os condôminos informados sobre a relevância da participação pontual no rateio das despesas, tanto para a manutenção da saúde financeira do condomínio e dos serviços proporcionados, como para se tentar evitar aumento exponencial e descontrolado da dívida do morador.

 

Como ficam as assembleias e mandatos a vencer?

 

Dr. Fernando Alvarenga: Como é a praxe nos condomínios, anualmente é convocada – geralmente no final do primeiro trimestre – uma assembleia geral ordinária, a fim de deliberar sobre orçamento das despesas, contribuições dos condôminos, prestação de contas e eleição para os cargos de síndico e de conselheiros. Contudo, em razão dos decretos governamentais, bem como do dever do síndico em zelar pela segurança de todos, as convocações das assembleias presenciais têm sido suspensas até que ocorra o fim da quarentena ou das recomendações de isolamento social.

 

Exceto para os condomínios que já possuem regras convencionais atualizadas para a realização de assembleias virtuais ou que possuam sistema de certificação com validade legal, isto pode ocasionar alguns problemas operacionais, especialmente em relação aos bancos e à Receita Federal, que costumam exigir atas devidamente registradas para a alteração ou atualização de seus cadastros.

 

É possível que o síndico entre em contato com as instituições financeiras responsáveis pelas contas do condomínio e ajuste a prorrogação das autorizações de em negociação direta. Neste caso, é recomendável que seja elaborado ao menos um comunicado ou uma circular interna para informar os moradores sobre a prorrogação tácita do mandato do síndico e do Conselho Fiscal enquanto durar o período de situação de emergência e a impossibilidade de convocar uma assembleia de modo seguro.

 

No entanto, havendo problemas junto a esta negociação com a agência ou Receita Federal, e a fim de evitar prejuízos aos serviços essenciais recebidos pelo condomínio, bem como para que não ocorra comprometimento do funcionamento geral da edificação, pode-se buscar legitimar a prorrogação do mandato – em razão da emergência não planejada – por meio de ação de declaração judicial ou procedimento de jurisdição voluntária. A decisão do juiz, nestes casos, servirá como ofício tanto para bancos como para órgãos públicos e ainda trará a segurança jurídica necessária para os atos do síndico e do Conselho Fiscal.

 

Qualquer que seja o caminho adotado, é recomendável que neste período sejam realizadas apenas contratações e obras de caráter necessário e urgente, de modo que as obras ou reparos não urgentes sejam retomadas somente quando houver possibilidade de convocação de assembleia, após a regularização da situação de emergência.

 

Patrícia Juliano Nuñez Vargas (patricianunezz@outlook.com) é síndica profissional, especialista em gestão de condomínios, professora de curso de síndico profissional, palestrante, mediadora de conflitos, coaching condominial, praticante da CNV (Comunicação Não-Violenta em condomínios, colunista do portal Papo Condominial, colunista da TV Síndicos do Vale, graduanda em psicanálise, apresentadora da TV Síndicos do Vale, membro colaboradora da Comissão de Direito Condominial da OAB em São José dos Campos e membro honorária da Associação dos Síndicos do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

 

Fernando Antonio Ferreira de Alvarenga (ffalvarenga@adv.oabsp.org.br) é advogado com atuação especializada no setor imobiliário e condominial, pós-graduado em Direito Civil e em Processo Civil, mediador extrajudicial no Instituto de Mediação Transformativa e Reflexiva de São Paulo, e membro das Comissões de Direito Condominial, Direito Imobiliário e de Mediação e Arbitragem da 36ª Subseção da OAB/SP.

 

Fonte: Revista Urbana


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